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Archive for 8 de Maio, 2009

Por Lucas Rizzi

abadiaDas seis obras completas da novelista britânica Jane Austen, duas delas, A Abadia de Northanger (1818) e O Parque de Mansfield (1814), provocam dor de cabeça em seus admiradores. Editadas há décadas no Brasil, ambas sumiram do mapa há tempos. Não adianta vasculhar em livrarias e nem nas prateleiras mais empoeiradas dos sebos. Esqueçam, porque nesse palheiro não tem agulha. Só com uma generosa dose de sorte é possível encontrar um desses títulos no país, ou então na forma de e-books, e mesmo assim, apenas depois de muito suor.

Mas o ano de 2009 será de novidades para os fãs da escritora. Não é que a Landmark, que tem em seu catálogo dezenas de livros em edições bilíngües, resolveu ressuscitar essas duas raridades? Conforme já anunciado em seu site oficial, a editora irá relançar A Abadia de Northanger ainda neste mês, e O Parque de Mansfield em agosto. Boa notícia para os fãs? Nem tanto.

Explico. Em 2007, essa mesma editora publicou outra obra da escritora, Persuasão (1818), seu último romance. E o resultado não foi dos melhores. Mas antes de tudo, vale contar a sua história. Afinal, um pouco de Jane Austen nunca é demais.

Em Persuasão, diferente dos outros livros da autora, a protagonista, Anne Elliot, é uma mulher já amadurecida, beirando os trinta anos. Não possui a personalidade impetuosa e irônica de Elizabeth Bennet, o caráter apaixonante e inconsequente de Mariane Dashwood ou a excessiva cautela e zelo de sua irmã, Elinor – para ficar nas heroínas mais conhecidas, de Orgulho e Preconceito (1813), e Razão e Sensibilidade (1811).

Quando jovem, em nome da honra de sua família, Anne é persuadida a romper seu compromisso com o militar Frederick Wentworth, um homem até então sem posses. Oito anos depois, quando se passa a história, seus sentimentos voltam à tona ao encontrar Frederick, agora um capitão bem sucedido da marinha britânica. A partir daí, a história segue à maneira tipicamente austiniana. Supostos heróis que nas últimas páginas se mostram ambiciosos vilões, arrependimentos, amigas, parentes ou agregados não tão mansfield parkconfiáveis, etc.

Mas, voltando à edição da Landmark, a obra, que por muitos é considerada a mais madura de Jane Austen, com sua ironia afiada como nunca, acaba perdendo muito de seu valor por conta de uma tradução bastante deficiente, que aparece no nome de Fabio Cyrino. As falhas são muitas. Passando pelas páginas, que mais parecem folhas de jornal, não é difícil encontrar erros de concordância, aspas que não fecham – isso quando não estão em lugares onde não deveriam estar – vírgulas substituindo ponto final, e por aí vai.

Além disso, o texto foi traduzido de maneira excessivamente literal. O que era leve e fluente em inglês, fica truncado e burocrático em português. Um crime contra uma autora conhecida pelo grande domínio da língua. A sua ironia, bom humor e fineza no trato com a escrita ao retratar as diferentes classes sociais se perdem em meio a todos esses defeitos.

Tudo isso ganha proporções ainda maiores em uma edição bilíngüe. O texto original está logo ali ao lado, implorando por uma comparação do leitor e escancarando ainda mais as falhas presentes na tradução. Para piorar, há uma acusação de plágio de uma edição portuguesa da Europa-América. É como se fosse aquele aluno que cola de quem tira zero.

Ter a oportunidade de possuir a obra completa de Jane Austen – apesar daquelas capas que desconsideram completamente a existência de fãs homens – é de enxer os olhos dos mais e até dos menos fanáticos. Mas qualquer admirador ou interessado preza pela qualidade do que está lendo. E aquele que se iniciar na prosa austiniana pela versão da Landmark de Persuasão certamente não será motivado a se aprofundar.

Por via das dúvidas, leitor, não compre os novos títulos da editora. Não se arrisque, aposte naquilo que é certo: Leia Orgulho e Preconceito ou Razão e Sensibilidade. Terminará a leitura encantado, eu garanto. Só então enfrente o perigo. Se a editora pisar na bola de novo, você saberá que o alvo das pedradas será a Landmark – e não Jane Austen.

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